top of page

IR Fonte sobre serviços contratados do exterior - art. 7º dos tratados para evitar a dupla tributação da renda.

Publicado em 27 de novembro de 2017

Ponto de constante preocupação das empresas no Brasil, contratantes de serviços com empresas não residentes no país, é a tributação das remessas para o exterior, tanto o tributo retido na fonte, a ser deduzido do valor bruto a ser remetido ao contratado no exterior, como aquele que constitui encargo do contratante no Brasil.

A rigor, quando se avalia a carga tributária brasileira na importação de serviços, verifica-se hipóteses de tributação sobre a renda (IRRF), sobre o consumo (ISS, PIS e COFINS) e de intervenção no domínio econômico (CIDE).

Analisemos aqui apenas a questão do IRRF sobre serviços técnicos, de assistência técnica e administrativa, notadamente sua base legal, as convenções para evitar dupla tributação firmadas pelo Brasil, a interpretação das autoridades fiscais e os julgados mais recentes dos tribunais sobre a matéria.

1.      Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) – Base legal

Estabelece o art. 7º da Lei nº 9779/99 que a remuneração da prestação de serviços a residentes ou domiciliados no exterior, sujeitam-se à incidência do imposto de renda na fonte à alíquota de 25%.

Por sua vez, a Medida Provisória nº 2.159-70/01, em ser art. 3°, determinou a redução para 15% do IR Fonte na remuneração a residentes no exterior no caso de serviços técnicos e de assistência técnica, e a título de royalties, de qualquer natureza, a partir do início da cobrança da CIDE, ou seja, 1º de janeiro de 2001.

Já os rendimentos decorrentes de qualquer operação, em que o beneficiário seja residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute à alíquota máxima inferior a vinte por cento, sujeitam-se ao imposto de renda na fonte de 25%, nos termos do art. 8º da já citada lei nº 9.779/95.

A questão torna-se ainda mais relevante com relação ao custo tributário da operação, se considerarmos que o país de origem do prestador não reconhecerá como crédito o IR Fonte pago no Brasil,o que fará com que o contratante no Brasil assuma o IR devido, reajustando sua base de cálculo nos termos do art. 5º da lei nº 4.154/62. A previsão para que a empresa contratante assuma os tributos cobrados no seu país é comum nos contratos internacionais, fazendo com que a carta tributária do IR Fonte no Brasil passe de 15% para 17,65% e de 25% para 33,33%, respectivamente. 

2.      O art. 7º da Convenção Modelo da OCDE para evitar a dupla tributação da renda

A Convenção-Modelo da OCDE sobre tributação da renda determina, em seu artigo 7º, que os lucros de uma empresa de um Estado Contratante devem ser tributados somente nesse Estado, a menos que a empresa exerça atividades no outro Estado Contratante através de um estabelecimento permanente aí situado. Se a empresa exercer sua atividade desse modo, os lucros poderão ser tributados neste outro Estado, mas apenas na medida em que forem atribuídos a esse estabelecimento permanente.

Para fins da Convenção, nos termos do art. 5º do Modelo, o termo estabelecimento permanente significa um local fixo de negócios através do qual o negócio de uma empresa é executado total ou parcialmente. Inclui especialmente: um lugar de gerência; uma filial; um escritório; uma fábrica; uma oficina e uma mina, um poço de petróleo e gás, uma pedreira ou qualquer outro local de extração de recursos naturais.

Nos termos da Convenção-Modelo da OCDE, portanto, verifica-se que inexiste competência tributária para o país da fonte tributar os rendimentos de empresa do exterior, quando haja tratado para evitar a dupla tributação fundamentado no modelo da OCDE, a menos que esta empresa mantenha um estabelecimento permanente aí situado, hipótese em que a tributação recairá sobre os rendimentos atribuídos a este estabelecimento.

No dizer do professor Alberto Xavier, a regra geral constante do art. 7º do Modelo OCDE é a de que o direito de tributar os lucros das empresas é objeto de atribuição exclusiva ao Estado que tais empresas são residentes. [1]

3.       Os acordos firmados pelo Brasil

O Brasil firmou até o momento 34 acordos para evitar a dupla tributação da renda, sendo 33 válidos, considerando que o acordo com a Alemanha foi denunciado por aquele país em 2005. Os países com os quais o país mantém acordos são: África do Sul, Argentina, Áustria, Bélgica, Canadá, Chile, China, Coréia do Sul, Dinamarca, Equador, Eslováquia, Espanha, Filipinas, Finlândia, França, Hungria, Índia, Israel, Itália, Japão, Luxemburgo, México, Noruega, Países Baixos, Peru, Portugal, República Tcheca, Rússia, Suécia, Trinidad e Tobago, Turquia, Ucrânia e Venezuela.

Os arts. 7º de tais tratados seguem a Convenção-Modelo da OCDE, ao tratar da tributação do lucro das empresas, bem como, obedecem ao mesmo conceito de estabelecimento permanente do modelo acima citado. Neste sentido, reconhecem a competência exclusiva primária do Estado de residência para tributação do lucro das empresas.

4.      A interpretação da Receita Federal do Brasil para o art. 7º dos tratados. Invocação dos art. 22 (outros rendimentos) e 12 (equiparação a royalties) para justificar a tributação na fonte dos serviços técnicos e de assistência técnica.

Pelo exposto até aqui, é fora de dúvida que os rendimentos de serviços prestados por residentes no exterior, quando inexistente no Brasil um estabelecimento permanente ao qual possa ser imputado estes rendimentos, só poderiam ser tributados no país de residência do exportador do serviço.

Não é o que se observa no ambiente fiscal brasileiro, à medida em que a Receita Federal, e mesmo alguns órgãos julgadores administrativos e judiciais, tem se mostrado contrários ao disposto nos tratados.

A doutrina do prof. Alberto Xavier, na obra citada, ensina que até Janeiro de 2000, a Administração Tributária seguiu a linha adotada pela Convenção-Modelo, no sentido de aplicação do art. 7º sempre que os elementos do lucro, isoladamente considerados (como é o caso dos dividendos, dos juros e dos royalties), não tivessem tratamento especial, hipótese em que se aplicariam as disposições específicas que lhe diziam respeito. Em não havendo disposição específica, aplicar-se-ia o art. 7º.

Neste sentido a Decisão da 9ª Região Fiscal, de que “não incide o imposto de renda na fonte sobre os pagamentos a empresa francesa que não possua estabelecimento permanente no Brasil, em decorrência da prestação de serviços técnicos que não se enquadrem no conceito de know-how”. [2]

A partir da publicação do Ato Declaratório Normativo - ADN nº 1/2000 [3], a Administração Tributária mudou formalmente de posição, no sentido de rejeitar a interpretação a partir do art. 7º dos Tratados. Referido ADN tem a seguinte redação:

I - As remessas decorrentes de contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia sujeitam-se à tributação de acordo com o art. 685, inciso II, alínea "a", do Decreto No 3.000, de 1999. [4]

II - Nas Convenções para Eliminar a Dupla Tributação da Renda das quais o Brasil é signatário, esses rendimentos classificam-se no artigo Rendimentos não Expressamente Mencionados, e, conseqüentemente, são tributados na forma do item I, o que se dará também na hipótese de a convenção não contemplar esse artigo.

III - Para fins do disposto no item I deste ato, consideram-se contratos de prestação de assistência técnica e de serviços técnicos sem transferência de tecnologia aqueles não sujeitos à averbação ou registro no Instituto Nacional da Propriedade Industrial - INPI e Banco Central do Brasil.

Houve aqui uma clara tentativa de enquadramento das remessas decorrentes de contratos de prestação de serviços técnicos sem transferência de tecnologia a “Outros Rendimentos”, previstos no art. 21 da Convenção-Modelo, equivalente ao art. 22 das Convenções Brasileiras, em detrimento do enquadramento no art. 7º, relativo ao “Lucro das Empresas”.

Não obstante a posição da Administração Tributária, o Superior Tribunal de Justiça, em caso emblemático, reconheceu a aplicabilidade do art. 7º dos Tratados, através do REsp 1.161-467/RS. Nos termos do referido Acórdão:

"(...) A antinomia supostamente existente entre a norma da convenção e o direito tributário interno resolve-se pela regra da especialidade, ainda que a normatização interna seja posterior à internacional (...). No caso, o art. VII das Convenções Brasil-Alemanha e Brasil-Canadá deve prevalecer sobre a regra inserta no art. 7º da Lei 9.779/99, já que a norma internacional é especial e se aplica, exclusivamente, para evitar a bitributação entre o Brasil e os dois outros países signatários."

Esta decisão do STJ levou a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional a rever sua posição, de forma a adaptar sua interpretação à decisão do STJ, porém, com uma ressalva, nos casos em que tenham sido estipulados protocolos aos tratados, no sentido de se aplicar o art. 12 (relativos a royalties) a serviços técnicos e de assistência técnica. [5]

A partir desse entendimento da Procuradoria da Fazenda, com fundamento no Parecer supra citado, foram editados alguns Atos Normativos na tentativa de definir assistência técnica e serviços técnicos, para fins de enquadramento na retenção do IR Fonte.

Dentre estes Atos, a Instrução Normativa 1.455/14 (revogando expressamente a IN 252/02), definiu (i) serviço técnico a execução de serviço que dependa de conhecimentos técnicos especializados ou que envolva assistência administrativa ou prestação de consultoria, realizado por profissionais independentes ou com vínculo empregatício ou, ainda, decorrente de estruturas automatizadas com claro conteúdo tecnológico;e (ii) assistência técnica a assessoria permanente prestada pela cedente de processo ou fórmula secreta à concessionária, mediante técnicos, desenhos, estudos, instruções enviadas ao País e outros serviços semelhantes, os quais possibilitem a efetiva utilização do processo ou fórmula cedido.

Por sua vez, o Ato Declaratório Interpretativo nº 5/14, estabeleceu que o tratamento tributário nas remessas a residente no exterior pela prestação de serviços técnicos e de assistência técnica, com ou sem transferência de tecnologia, com base em acordo ou convenção para evitar a dupla tributação da renda celebrado pelo Brasil será aquele previsto no respectivo Acordo ou Convenção:

(i) no artigo que trata de royalties, quando o respectivo protocolo contiver previsão de que os serviços técnicos e de assistência técnica recebam igual tratamento, na hipótese em que o Acordo ou a Convenção autorize a tributação no Brasil;

(ii) no artigo que trata de profissões independentes ou de serviços profissionais ou pessoais independentes, nos casos da prestação de serviços técnicos e de assistência técnica relacionados com a qualificação técnica de uma pessoa ou grupo de pessoas, na hipótese em que o Acordo ou a Convenção autorize a tributação no Brasil, ressalvado o disposto no inciso I; ou

(iii) no artigo que trata de lucros das empresas, ressalvado o disposto nos incisos I e II.

5. O posicionamento dos órgãos julgadores, no âmbito judicial

Alguns Tribunais Regionais, notadamente o da 3ª Região, que abrange São Paulo, tem proferido decisões favoráveis aos contribuintes, no sentido do enquadramento dos serviços em análise, no art. 7º das Convenções. [6]

A posição do Tribunal tem sido no sentido de que “as normas prescritas em acordos internacionais para evitar a dupla tributação prevalecem, no que concerne aos Estados contratantes, uma vez que é regra específica (critério da especialidade), diferente da lei ordinária que regula a matéria de maneira genérica (art. 98, do CTN). Demonstrada a existência de contrato firmado com pessoa jurídica situada no exterior relativo à prestação de serviço, não se pode compelir o contribuinte à dupla tributação, devendo haver incidência do imposto sobre a renda somente no país de destino. Assim, é possível concluir que os valores remetidos pela impetrante às empresas estabelecidas no exterior, em razão de prestação de serviços sem transferência de tecnologia, não sofrem a incidência do IRRF.

O Superior Tribunal de Justiça também proferiu Acordão favorável à não tributação no Brasil, de remessa ao exterior, após o emblemático caso do Resp 1.161-467/RS. Este novo Acórdão, de 2015, trouxe reafirmou o entendimento anterior do próprio STJ, de que as disposições dos Tratados Internacionais Tributários prevalecem sobre as normas jurídicas de Direito Interno, em razão da sua especificidade, ressalvada a supremacia da Carta Magna, e que o Tratado em questão, dispõe que os lucros de uma empresa de um Estado Contratante só são tributáveis neste mesmo Estado, a não ser que a empresa exerça sua atividade no outro Estado por meio de um estabelecimento permanente aí situado. [7]

6. Conclusão

Em razão do posicionamento que vem sendo observado por alguns TRFs e pelo STJ, é possível concluir que os contribuintes tem bons argumentos para questionar a incidência do IR Fonte nas remessas para o exterior referentes a remuneração de serviços técnicos, de assistência técnica e administrativa, quando houver acordo para evitar a dupla tributação firmado pelo Brasil com o país de residência do prestador, fazendo prevalecer o art. 7º dos Tratados, independentemente da existência de protocolo equiparando tais serviços a royalties.

A tributação no Brasil somente será admissível quando: (i) a empresa estrangeira exercer sua atividade por meio de um estabelecimento permanente no Brasil, hipótese em que o rendimento poderá ser tributado, mas unicamente na medida em que for imputável a esse estabelecimento permanente (art. 5º dos Tratados) e; (ii) ocorrer a transferência de tecnologia ou know-how através da prestação dos serviços para a empresa brasileira, aplicando-se assim o art. 12 dos Tratados.

[1] Direito Tributário Internacional do Brasil, Forense, 8ª ed., ref. até set/15, 625

[2] Luciana Rosanova Galhardo, Serviços técnicos prestados por empresa francesa e imposto de renda na fonte, RDDT, 31 (1998), 39 ss (nota de rodapé do Prof. Alberto Xavier, obra cit., 645)

[3] Revogado pelo Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 5, de 16 de junho de 2014

[4] Sujeição dos serviços à alíquota de 25% de IR Fonte

[5] Parecer PGFN/CAT nº 2.363/13

[6] AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 359874 / SP 0004166-76.2012.4.03.6130 – 16/08/17; AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 361727 / SP 0003592-82.2014.4.03.6130 – 07/06/17; AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 358119 / SP 0007537-55.2014.4.03.6105 – 07/06/17; Ap - APELAÇÃO CÍVEL - 1740581 / SP 0002035-92.2010.4.03.6100 – 01/12/16; AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 327678 / SP 0011381-43.2005.4.03.610 – 06/10/16; AMS - APELAÇÃO CÍVEL - 306680 / SP 0000361-89.2004.4.03.6100 – 08/11/12; 

[7] REsp 1272897/PE RECURSO ESPECIAL 2011/0196684-9 – 19/11/15

Reginaldo Angelo dos Santos.

CONECTANDO TRIBUTAÇÃO E NEGÓCIO

bottom of page